No passado dia 26 de junho de 2020 e pelo Acórdão n.º 99/2020, o Tribunal Constitucional declarou “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, por violação do n.º 1 do artigo 62.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, da Constituição.”
Em suma,
o n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil permitia ao arrendatário habitacional urbano de parte de um prédio não constituído em propriedade horizontal exercer direito de preferência na aquisição apenas da parte que habitava, sem ter de exercer esse mesmo direito quanto à totalidade do prédio.
Esta norma foi introduzida pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, integrada num conjunto de medidas que visavam a preservação do direito à habitação. Porém, vem agora o Tribunal Constitucional proceder à declaração de inconstitucionalidade da mesma por ofender o direito à propriedade privada, previsto no disposto no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição.
Para chegar a tal conclusão,
o Tribunal invoca diversas razões. Possivelmente o mais relevante prende-se com a ideia de que a possibilidade de um inquilino exercer o direito de preferência sobre uma parte do prédio redunda numa forte desvalorização deste pois que a atratividade do imóvel depende da possibilidade de o mesmo ser vendido unitariamente.
Assim, o raciocínio gizado pelo Tribunal é o seguinte: a liberdade de venda do património e a integralidade do seu valor constituem uma das faculdades mais relevantes do direito à propriedade privada. Se tal é afetado sem que subsistam razões de peso para tal afetação, então a norma viola um direito constitucionalmente consagrado de forma inadmissível.
Essas razões de peso só podem dizer respeito aos fundamentos que presidiram à aprovação desta norma: a estabilidade habitacional integrada numa ideia de direito à habitação.
Porém, o Tribunal entendeu que a sujeição da alienação do imóvel à prévia constituição da propriedade horizontal seria um meio muito mais idóneo a alcançar a estabilidade habitacional do que a norma agora expurgada.
Esta posição não foi, porém, pacífica,
uma vez que foram emitidos diversos votos vencidos, no sentido de a decisão ora proferida não olhar para a função social da habitação, mas apenas a sua função económica. Por outro lado, refere que tal solução coloca os arrendatários de frações autónomas em situação distinta dos arrendatários de partes de um prédio em propriedade total, quando inexistem justificações para tal distinção.
E agora?
Em primeiro lugar, é necessário clarificar que a posição do arrendatário no que concerne ao contrato de arrendamento não se altera. Isto é, transmitida a propriedade do prédio, o adquirente herda a posição contratual no arrendamento tal qual o mesmo se encontrava em vigor.
Por outro lado, o arrendatário que queira adquirir a propriedade do imóvel onde reside, terá de preferir no preço total do imóvel e o senhorio terá ainda a obrigação de dar preferência neste caso. Porém, desaparece a possibilidade de preferir apenas no valor da parte do imóvel onde o arrendatário reside.
De notar, por fim, que o Tribunal Constitucional não ressalvou as relações já constituídas desde a entrada em vigor do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil. Assim, aguarda-se ansiosamente pelos reflexos judiciais que esta decisão poderá ter nos casos ocorridos durante quase dois anos.
Obrigado por estar desse lado.