Alterações ao Código do Trabalho – Banco de Horas

Uma das matérias que sofreram profundas alterações com a revisão do Código de Trabalho operada pela Lei 93/2019 de 04 de setembro prende-se com o banco de horas.

Até há pouco tempo, o trabalhador e empregador podiam acordar em contrato de trabalho um regime de banco de horas – isto é, um sistema em que o trabalhador prestava trabalho em horas adicionais, sem que essas horas fossem consideradas horas extraordinárias. Posteriormente, essas horas eram compensadas da forma que fosse acordada entre trabalhador e empregador.

Este sistema designava-se “banco de horas individual” e podia variar de trabalhador para trabalhador, ainda que dentro da mesma empresa. Com a nova redação do código do trabalho, desaparece este instituto, quedando-se apenas o “banco de horas grupal”, cuja disciplina pertencia apenas aos instrumentos de regulação coletiva de trabalho.

Com as alterações introduzidas pela Lei 93/2019 de 04 de setembro, passou a ser possível instituir um banco de horas grupal numa empresa para todos os trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica, desde que aprovado em referendo pelos trabalhadores.

É neste referendo que reside a maior novidade, causando ainda perplexidades e dúvidas de aplicação. Principiaremos, então, pelos passos a tomar no caso dos empregadores que queiram instituir um regime de banco de horas através de um referendo.

PRIMEIRO PASSO: O empregador deve elaborar um projeto de regime de banco de horas, de onde conste:

  1. a) O âmbito de aplicação, indicando a equipa, secção ou unidade económica a abranger e, nestas, os grupos profissionais excluídos, se os houver;
  2. b) O período, não superior a quatro anos, durante o qual o regime é aplicável;
  3. c) A compensação do trabalho prestado em acréscimo, que pode ser feita mediante, pelo menos, uma das seguintes modalidades:
  4. i) Redução equivalente do tempo de trabalho;
  5. ii) Aumento do período de férias;

iii) Pagamento em dinheiro;

  1. d) A antecedência com que o empregador deve comunicar ao trabalhador a necessidade de prestação de trabalho;
  2. e) O período em que a redução do tempo de trabalho para compensar trabalho prestado em acréscimo deve ter lugar, por iniciativa do trabalhador ou, na sua falta, do empregador, bem como a antecedência com que qualquer deles deve informar o outro da utilização dessa redução.

 

SEGUNDO PASSO: Depois de elaborado este documento, o mesmo é publicitado nos locais de afixação dos mapas de horário de trabalho e comunicado aos representantes dos trabalhadores e à ACT – tudo com a antecedência mínima de 20 dias em relação à data do referendo. Deve ser elaborada uma convocatória para o referendo, a ser igualmente enviada a estas entidades.

Na falta de representantes dos trabalhadores abrangidos pelo regime de banco de horas grupal, estes podem designar, de entre eles, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da informação referida no parágrafo anterior, uma comissão representativa com o máximo de três ou cinco membros, consoante o regime abranja até cinco ou mais trabalhadores.

 

TERCEIRO PASSO: Realização do referendo. No caso de ser aprovado por pelo menos 65% dos trabalhadores, o banco de horas pode ser aplicado à totalidade dos trabalhadores.

 

E NOS CASOS DAS MICROEMPRESAS?

Nas microempresas ou se o número de trabalhadores abrangidos pelo projeto de regime de banco de horas for inferior a 10, o empregador (no caso de não existir representantes dos trabalhadores) deve pedir a realização do referendo à ACT, que indicará a data de realização do mesmo no prazo de dez dias úteis a contar do pedido.

Se, decorridos 90 dias, a ACT não marcar data, pode o empregador proceder à marcação do referendo, comunicando a data à ACT para que o mesmo proceda à sua supervisão. Esta data tem de ser marcada com, pelo menos, 20 dias de antecedência e ser comunicada aos trabalhadores por escrito.

Nesta comunicação, o empregador indica:

  1. Data
  2. Hora
  3. Local

A votação decorre sob supervisão de um representante da ACT e pode ser acompanhada por dois representantes dos trabalhadores. Terminada a votação, o representante da ACT procede ao apuramento do resultado do referendo e comunica-o imediatamente ao empregador, por escrito.

Após, o empregador publicita o resultado do referendo nos locais de afixação dos mapas de horário de trabalho, comunica-o aos representantes dos trabalhadores, e, caso o regime de banco de horas tenha sido aprovado, designa o dia em que se inicia a sua aplicação, com a antecedência mínima de cinco dias úteis.

 

Ora, analisado o regime, parece-nos que foi instaurado um sistema excessivamente longo e complexo, desajustado à realidade da maioria do tecido empresarial português. Para mais, suscita ainda a maior das dúvidas em que consiste a supervisão da ACT na realização do referendo.

Mais: se a ACT não se dotar dos meios técnicos e, sobretudo, humanos para realizar um referendo em todas as empresas, fica o intérprete sem perceber se a empresa poderá levar avante a realização do referendo ou se, ao invés, fica refém desta falta de meios.

Por fim, vivemos atualmente num período transitório: todos os bancos de horas individuais estabelecidos até outubro de 2019 permanecem inalterados até outubro de 2020 – altura em que não poderá existir qualquer banco de horas individual.

Obrigada por estar desse lado,

 

David Santos Silva