Após termos analisado algumas alterações ao novo regime do teletrabalho – nomeadamente no que toca ao acordo de teletrabalho (ver Parte I aqui), cabe-nos agora prosseguir a caminhada aí iniciada.
Nesta Parte II, iremos abordar as questões associadas às despesas com o teletrabalho e os desafios que o regime ora aprovado apresenta aos trabalhadores e empregadores.
De uma forma introdutória, dir-se-á que este regime causa dificuldades de aplicação em dois sentidos. Num primeiro e mais imediato, é estabelecido de forma muito superficial o pagamento das despesas ao trabalhador, não se antecipando que despesas estão em causa nem de que forma se poderá rigorosamente apurar o valor devido.
Num segundo sentido, o apuramento rigoroso das despesas a cargo do empregador é essencial para perceber se o empregador poderá recusar a proposta de acordo de teletrabalho, nos casos em que tal lhe é permitido – conforme vimos já na Parte I.
A nova redação do artigo 168.º do Código do Trabalho enuncia que o empregador é responsável pela disponibilização dos equipamentos e sistemas necessários ao trabalhador. Tal princípio já resultava da redação anterior e trata-se de uma decorrência da subordinação jurídica, vertida no artigo 12.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho. Porém, abre-se a possibilidade de ser o trabalhador a adquirir os equipamentos com as características e preços indicados pelo empregador, sendo ressarcido posteriormente por este.
A regulação da forma e do tempo de ressarcimento deste pagamento feito pelo empregador é omissa na lei. O n.º 4 do artigo 168.º estabelece que o ressarcimento deverá ocorrer de “imediato” após a realização da despesa pelo trabalhador, não se alcançando se terá de ser entregue o valor contra apresentação do recibo da despesa ou se poderá ser feito em conjunto com o pagamento da retribuição desse mês.
Logo se antecipa que a redação do acordo de teletrabalho será essencial para regular estas questões.
Um segundo princípio prende-se com o direito do trabalhador a ser ressarcido pelas despesas adicionais com a prestação do trabalho em teletrabalho. Para definir o conceito de despesas adicionais, o legislador considera:
- As despesas decorrentes dos acréscimos de custos de energia
- As despesas de telecomunicações em que o trabalhador incorreu pela melhoria das condições de velocidade e rede de comunicação, bem como os custos de manutenção dos equipamentos e sistemas
- Todas as despesas correspondentes às aquisições de bens ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes do acordo de teletrabalho e nas quais incorreu por causa deste, sendo apuradas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no mesmo mês do último ano anterior à aplicação desse acordo.
É fácil antecipar as dificuldades que se irão apresentar quanto a estas questões.
Em primeiro lugar, o critério da comparação com o período homólogo do ano anterior será de difícil aplicação durante o ano de 2022 quando pensarmos que a maioria dos trabalhadores esteve em teletrabalho durante o ano de 2021, pelo que, previsivelmente, a amostra não será rigorosa para perceber a diferença. Por outro lado, as despesas com fornecimento de energia variam de forma significativa, sendo praticamente impossível determinar a parcela da conta mensal que se deve à permanência do trabalhador na sua habitação.
Outro dado da equação prende-se com o facto de o teletrabalho não significar, necessariamente, prestação do trabalho na habitação do trabalhador.
As despesas com a melhoria das condições de conectividade poderão ser mais facilmente apreensíveis, podendo ser estabelecido pela operadora de telecomunicações qual o valor associado à diferença. Porém, uma vez que o pagamento destas compensações não constitui rendimento do trabalhador, mas sim custo para o empregador (n.º 5 do art.º 168.º), terá de ser estabelecido de que forma decorrerá a faturação destas despesas por parte da operadora.
Por outro lado, havendo necessidade de o trabalhador comparecer presencialmente, o empregador terá de suportar o custo das deslocações na parte em que exceda o custo normal do transporte entre o domicílio do trabalhador e o local em que normalmente prestaria trabalho em regime presencial. Quer isto dizer que, à partida, não existe qualquer compensação para os casos em que o trabalhador é convocado para comparecer presencialmente nas instalações do empregador, mas apenas nos casos em que o mesmo é convocado para comparecer noutros locais e apenas na parte que exceda o custo supra referido.
Nada é dito quanto à forma de compensação, nem o critério usado para tal ressarcimento (por exemplo, qual o custo por quilómetro adicional), cabendo uma vez mais ao acordo de teletrabalho definir estas regras.
Em último lugar, impera um silêncio absoluto quanto ao pagamento do subsídio de alimentação ao trabalhador em teletrabalho. Conhece-se a posição da Autoridade para as Condições de Trabalho nesta matéria, não deixando a mesma de ser altamente discutível. Com a alteração do regime do teletrabalho, esperava-se que o legislador tomasse uma posição clara em relação a um tema que originou inúmeros conflitos durante os períodos de confinamento impostos pela situação pandémica. Dir-se-á que se perdeu, assim, uma boa oportunidade.
Em suma, ao deixar em aberto uma miríade de questões relacionadas com a compensação das despesas adicionais nas quais o trabalhador incorre, o legislador coloca um peso considerável na redação do acordo de teletrabalho, devendo este ser o mais completo possível, por forma a antecipar e evitar conflitos entre empregador e trabalhador.