Reagrupamento familiar em Portugal – o que esperar?

By Sexta, 26 de Janeiro de 2024 Fevereiro 22nd, 2024 Direito Internacional, Vistos e Residências
O que é o Reagrupamento familiar?

O titular de uma autorização de residência, tem direito a estender esta autorização aos seus familiares. O que significa que a sua família, mediante o cumprimento de certos requisitos, tem direito de o acompanhar.

O que sucedia até 2022, era que o interessado tinha primeiro de concluir o seu processo de residência. Já na posse do seu título de residência, das duas uma:

(1) Se os seus familiares estivessem no seu país de origem – o residente, em Portugal, teria de conseguir agendar uma vaga junto do SEF para dar entrada do pedido de reagrupamento familiar.

Após análise, e no caso de parecer positivo, o SEF comunicaria com o consulado competente para que estes apusessem a vinheta do visto no passaporte dos familiares.

Com este visto, os familiares deveriam entrar em território Nacional e efetuar, junto do SEF, um segundo agendamento presencial. Este segundo agendamento resultaria na emissão do título de residência, após recolha dos dados biométricos.

(2) No caso de o familiar estar em território nacional, o residente ou o familiar, teriam de efetuar um agendamento no SEF para dar entrada do pedido de reagrupamento familiar. Neste mesmo agendamento, seriam recolhidos os dados biométricos e emitido o título de residência do familiar.

Qual é, então, o problema?

A pandemia constrangeu severamente a possibilidade de reagrupamento familiar.

Centenas de cidadãos residentes em Portugal vindos de todo o mundo (UE incluída), ficaram impossibilitados de se juntar às suas famílias.

Contudo, a figura do reagrupamento familiar raras vezes saía do papel.  Estamos, ainda, a anos-luz do que era a situação antes da pandemia – que já não era muito profícua.

E assim é em direta razão da ineficácia dos serviços – dos consulados e do SEF.

Isto porque o grande entrave à concretização do reagrupamento familiar era (ainda é), tão simplesmente, a inexistência de agendamentos!

Ou seja, 

O que tem vindo a suceder, é que o SEF não tem agendamentos disponíveis. Nem para o pedido, nem para a recolha de dados biométricos.

Ora, enquanto não existirem agendamentos disponíveis, o processo não pode ser nem iniciado, nem concluido. Isto significa que os familiares dos residentes estrangeiros só conseguem entrar em Portugal dispondo de um visto de turismo. Contudo, obter um visto Schengen para Portugal não é tarefa fácil. Especialmente considerando a ineficiência da esmagadora maioria dos nossos Consulados.

Mas mesmo os que consigam obter o visto de turismo, não conseguem, depois, vaga para agendamento do pedido e recolha de dados, muito menos dentro do prazo dos 90 dias permitidos pelo Visto Schengen. Por esta razão, acabam inevitavelmente por permanecer ilegalmente em território nacional durante sabe-se lá quanto tempo, ficando “presos” no país.

Desde 2020, que os serviços, quando se dignam a “abrir calendário”, fazem-no com um número irrisórios de vagas.

Acresce que redes duvidosas de verdadeiro “contrabando” de agendamentos invadem as linhas telefónicas ao ponto da sua inutilização, e engolem as vagas existentes.

Esta situação coloca os destinatários em situações de fragilidade e desigualdade inaceitáveis para o nosso ordenamento jurídico. Isto porque estes cidadãos se veem forçados a optar entre permanecer em Portugal separados das suas famílias, ou regressar aos seus países de origem.

Os mais prejudicados são, claro, aqueles que não têm poder económico, e que são oriundos de países onde a ineficiência (ou inexistência) dos consulados é mais notória.

Foram dezenas de milhares de pedidos que ficaram pendentes de provimento, em violação da lei nacional e dos acordos internacionais.

Em 2022, o legislador introduziu uma alteração que permitiu mitigar um pouco esta situação.

Desde essa data que o requerente de um visto de residência para Portugal pode, em simultâneo, requerer logo o reagrupamento familiar.

E isto é uma grande vantagem porque assim garantimos que os familiares conseguem entrar em território nacional.

Garantimos ainda, em princípio, um pré-agendamento para que todos possam concluir o processo e obter o título de residência.

Então o que muda agora?

O Decreto Regulamentar nº 1/2024 vem alterar a regulamentação do regime jurídico da Lei 23/2007 (que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional).

Segundo comunicação enviada pela AIMA à Lusa, e reproduzida em diversos meios de comunicação social, o legislador promete desburocratizar e simplificar todo o processo desde o pedido do visto de residência, à concessão da autorização de residência e, finalmente, do reagrupamento familiar.

Prometem maior celeridade na tramitação dos processos, com requisitos de segurança acrescidos. Pretendem fazê-lo, principalmente, através da disponibilização de serviços no Portal da AIMA, que dispensarão os agendamentos telefónicos e a deslocação física aos serviços.

Ou seja, os pedidos serão efetuados na plataforma digital.

Quem pode aceder à plataforma?

O pedido de reagrupamento familiar poderá ser feito na plataforma, pelo próprio titular da autorização de residência.

Pode, também, ser apresentado pelo próprio familiar, se, entretanto, este tiver conseguido entrar legalmente em Portugal (com visto de turismo ou por dele estar isento) e aqui estiver à data do pedido.

Como dissemos aqui vemos como sinal positivo na luta contra a procuradoria ilícita, o facto dos advogados e solicitadores poderem apresentar os pedidos na plataforma através do correspondente certificado digital. Este é um passo muito importante na filtragem de profissionais não qualificados que se encontravam a praticar atos jurídicos nesta área.

Dificulta, ainda, a intervenção de redes de tráfego humano. Com esta metodologia, cada residente pode fazer o pedido para a sua família na plataforma, através de certificado digital. Contudo, apenas profissionais credenciados pelo Estado poderão efetuar pedidos de reagrupamento em nome de terceiros. E a partir do momento em tenham de ser profissionais creditados a efetuar os pedidos feitos em nome de terceiros, minimizamos o universo de pessoas a operar no sistema, logo, reduzimos o risco de atuação das redes de tráfego.

Enfim, considerações à parte, o processo poder ser iniciado sem que tenha de existir antecipadamente o amaldiçoado agendamento presencial, representa um importante fator de aceleração na tramitação do reagrupamento familiar.

Desde logo porque só assim se garante que os prazos procedimentais se iniciam, o que é de extrema relevância para a figura do deferimento tácito.

Deferimento tácito? O que é isso?

Com a publicação do Decreto que criou a AIMA em junho de 2023, o legislador introduziu uma alteração significativa na Lei dos Estrangeiros.

Após o pedido de reagrupamento familiar feito à AIMA, esta tem 3 meses para decidir. Se a situação for especialmente complexa, pode prorrogar o prazo de análise até 6 meses (justificando-o).

O pedido é deferido tacitamente se não existir uma decisão formal passados estes 3 meses (sem prorrogação notificada) ou 6 meses (prazo máximo). Ou seja, o pedido é aprovado se a AIMA nada disser (no máximo) em 6 meses.

No caso de o familiar estar fora do território nacional, a AIMA notificará a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas em 48 horas para que seja emitido o visto de residência. Ficarão, assim, possibilitados de entrar em território nacional.

A figura do diferimento tácito é muito excecional no âmbito do Direito Administrativo. Aliás, nas últimas décadas, o legislador tem eliminado paulatinamente a figura. É, portanto, significativa a sua introdução neste contexto, e bem reveladora do estado caótico da situação.

Contudo, esta medida é absolutamente inóqua por si só.

O deferimento tácito só ganha relevância após o início do processo. É necessário submeter o pedido para iniciar o processo. Para dar entrada do pedido, é preciso um agendamento. O que significa que a figura é absolutamente inútil, quando não haja agendamentos! O que é o caso.

Imaginemos que demos entrada em simultâneo de um pedido de visto de residência para um requerente e de dois familiares. A AIMA devolve o parecer com uma apreciação favorável, mas sem o pré-agendamento. Esta família tem um visto de residência e pode entrar em território nacional. No entanto tem de aguardar que sejam disponibilizadas vagas para conseguir agendar a recolha de dados biométricos para concluir o processo. O deferimento tácito não tem aplicabilidade nesta situação, porque o pedido da autorização de residência não foi formalizado por falta de agendamento.

O problema é idêntico para familiares de residentes que já estejam em território nacional. Sem agendamento para o pedido de reagrupamento familiar, a contagem do prazo de 3 meses não se inicia.

A aplicabilidade parece ser clara apenas nas seguintes circunstâncias:

Um residente em Portugal conseguiu, por milagre, um agendamento. Formalizou o pedido de reagrupamento familiar da sua esposa e dos seus dois filhos, que se encontravam no Uruguai. Inicia-se a contagem do prazo dos 3 meses. Três meses depois, a AIMA nada disse. Considera-se o pedido como deferido (aprovado). A AIMA terá de certificar o deferimento tácito e tem 48 h para notificar a Direção Geral para que emitam o visto de residência aos seus familiares, permitindo-lhes a sua entrada no território nacional.

No entanto,
Uma vez em Portugal, não conseguiriam agendamento para a recolha de dados biométricos.  E sem esta recolha de dados, não há emissão de Título de Residência.

O processo até pode estar aprovado tacitamente, mas sem agendamento, não há emissão do título de residência! É possível recorrer aos Tribunais Administrativos para forçar a AIMA a fazer o agendamento, porque há um deferimento tácito. Contudo, a média de análise para um processo desta natureza em Tribunal, ronda os 2 a 3 anos.

Em suma,

A figura do deferimento tácito só terá um maior alcance, desde que conjugado com a possibilidade de realização do pedido na plataforma digital.

Se residente estrangeiro puder efetuar o pedido de reagrupamento familiar puder na plataforma digital, então o prazo de 3 meses começará a contar desse pedido, e não têm de aguardar por agendamento.

Se os titulares dos vistos de residência, ou os familiares que tenham entrado com visto de turismo, puderem pedir a autorização de residência, o prazo de 3 meses começará a contar. Poderão assim concluir os processos e ver emitidos os seus títulos de residência sem ter de aguardar a disponibilidade de agendamento.

Segundo o mesmo comunicado da AIMA à Lusa,

E conforme resulta do Decreto Regulamentar, introduz-se outra medida com impacto significativo na aceleração do procedimento.

A AIMA poderá agora consultar diretamente outras entidades para confirmar a instrução do processo, acedendo às bases de dados da Administração Pública, tais como a Autoridade Tributária ou a Segurança Social.

Além disso, o requerente fica dispensado de apresentar os documentos comprovativos de requisitos cuja confirmação seja possível através da consulta a essas bases de dados. Falamos de informações tais como contribuições para a Segurança Social; retenções na fonte; recibos emitidos; certificados de residência da junta de freguesia, etc.

Em teoria, esta medida poderá representará uma efetiva aceleração na tramitação dos pedidos.

Por um lado,

Elimina-se o fator desconfiança e a verificação da informação é instantânea. Elimina-se, ainda, a necessidade de enviar um ofício a cada uma das entidades externas para verificação da informação. Mais, elimina-se, sobretudo, os intermináveis tempos de espera a aguardar que a entidade responda.

Por outro lado, o funcionário passa a ter de aceder a um sistema que é instável e que nem sempre funciona.

Acresce que isto também significa que o cruzamento de dados passa a ser uma realidade efetiva, ficando por perceber qual a extensão de informação a que a AIMA poderá aceder.

Contudo, e na nossa opinião, a medida que maior impacto trará para os pedidos de reagrupamento familiar, e o deferimento tácito.

 

 Em conclusão

Todas essas medidas parecem promissoras.

Analisá-las-emos detalhadamente quando nos debruçarmos sobre os requisitos específicos para cada tipo de visto.

O portal está em funcionamento desde ontem, mas apenas para o reagrupamento familiar de agregados familiares com pelo menos uma criança entre os 5 e os 15 anos, já a residir (irregularmente) em Portugal.

Segundo as notícias veículadas, como aqui, o pedido não está dependente da existência de vagas. Segundo o Presidente da AIMA, o Portal estará sempre disponível para a submissão dos pedidos, sendo expectável que os requerentes sejam contactados em 15 dias para um agendamento no local mais próximo de onde residirem.

No entanto, e conforme o próprio Presidente reconhece na entrevista dada ao jornal DN, a AIMA não tem noção de quantas famílias estão por regularizar. Ainda não se sabe quem será incluído nos próximos agendamentos.

Ou seja, as águas continuam turbulentas, com nevoeiro à curta distância. A legislação é labiríntica, e a articulação entre a lei e as entidades complexa.

E uma vez mais, nada nos resta a não ser esperar e ver como as coisas acontecerão na prática.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Obrigada por estar desse lado,

Eva

 

Artigo atualizado a 22/02/24